Houve um tempo e um planeta onde a música era a essência e o DNA de seus habitantes, onde tudo era feito de harmonia, melodia e ritmo. Viviam ainda as notas musicais, transitando nos quatro rios entre as cinco estradas estreitas do Norte e do Sul, que ao todo eram 10, separadas pelo oceano. Viviam em compassos e populações determinadas por frações de tempo, dominados ao norte pela bela e vaidosa Clave de Sol e ao Sul pela curva e grave Clave de Fá. A soberana Clave de Dó jazia sob um mausoléu do esquecimento e nada observava a não ser a submersão oceânicas de suas filhas, os dós, com o coração cortado pela perca da mãe.
Enquanto os rés remavam para trás à beira do mar, vigiados pelos mis que por sua vez corriam atrás dos fás, grandes adeptos dos sóis, que por sua vez andavam no mesmo patamar da bela Clave de Sol e eram vizinhos dos lás, amigos dos sis, que por sua vez conheciam a nova e insensível geração de dós agudos.
Mas os dós do oceano, de coração partido, volta e meia avistavam os tristes dós e sis que remavam à beira da praia do Sul e mandavam notícias aos lás que por sua vez transmitiam aos sóis que nadavam no rio mais próximo ao mar.
Os fás logo ao lado andavam altivos por serem os mais próximos da Clave. E logo depois vinham os mis, os rés e finalmente os dós insensíveis e graves.
Mas ao contrário do que pensam os leigos a respeito desse estranho mundo, as 7 raças de notas se revezavam infinitamente em estradas estreitas e espaços invisíveis a olhos não purificados pela sabedoria musical que compunha aquele reino.
Tudo fluía em direções certas e harmônicas entre todas as espécies e idades. As poucas, experientes, longas e achatadas breves sorriam terna e demoradamente para suas filhas mínimas e suas netas semínimas, harmonizavam-se com as colcheias e as filhas destas, as semicolcheias, que se dividiam em fusas e semifusas.
Quando algumas delas precisavam subir seus semitons, chamavam os eficientes sustenidos, e quando precisavam descer, as bemóis vinham em seu socorro.
Quando queriam se casar ou aumentarem seu valor, as notas compravam suas ligaduras, pontos de aumento ou as interessantes e volúveis fermatas. As notas mais ricas e vaidosas se ornamentavam com apoggiaturas, acciaccaturas, mordentes, grupetos e trinados para as grandes festas.
Os períodos do ano comandavam o andamento do trabalho das notas, que corriam em allegros e vivaces, enquanto as crianças transitavam até mesmo em prestíssimo e brincavam de pique em staccato. Quando se cansavam, os larghetos, largos, lentos e graves, vinham em seu auxílio, e aos finais de semana passeavam com Andantes e Moderatos.
Uniam-se em Acordes harmoniosos e produziam belos negócios musicais, enquanto dançavam sobre teclas transitando entre moltos, fortíssimos e pianíssimos, passando por mezzos impactantes.
Continuavam em sua melodia perpétua, em partituras harmoniosas, tristes ou alegres, regendo o clima de sua dimensão, clássico, folk, soul ou rock, elas se davam as mãos ou dançavam sozinhas eternamente por um espaço rítmico.
E mesmo quando as pausas chegavam e podia-se ouvir ao longe o silêncio inspirador, era só para preparar a retomada gloriosa da música.